A história do pequeno Romeo Clark, de 5 anos, um menino que gosta de se vestir como menina, virou notícia depois que ele foi afastado de um clube para crianças que pertence à escola na qual estudava, em Rugby, no Reino Unido, como mostra matéria do jornal O Globo. A instituição disse que essa punição iria durar até que ele passasse a "se vestir de acordo com seu gênero". Ou seja, ao invés de ensinar as crianças a respeitarem as diferenças, fizeram um caminho extremamente oposto, ajudando a reforçar estereótipos de preconceito. Na Inglaterra, o Mirror Online fez uma galeria mostrando a coleção de vestidos de Romeo. No Brasil, o tema foi discutido em uma matéria da revista Nova Escola.
Outro exemplo famoso no mundo todo é da filha de Angelina Jolie e Brad Pitt, Shiloh Jolie-Pitt, que é uma menina que gosta de se vestir como menino. Com cabelos curtos e terninhos, ela chama a atenção por onde passa e tem o apoio dos pais. Segundo declarações de Angelina à revista americana Vanity Fair, Shiloh pediu para ser chamada de Jonh e foi atendida. "Ela quer ser um garoto. Então tivemos que cortar seu cabelo. Ela gosta de tudo que é de menino. O que há de estranho nisso? Algumas crianças querem a capa de Super-Homem, ela quer ser como seus irmãos mais velhos”, disse a atriz.
Em entrevista ao Bolsa de Mulher, a psicóloga Susana Orio, orientadora educacional do Colégio Madre Alix, diz que essas vontades nem sempre têm a ver com uma possível orientação sexual. "São crianças muito pequenininhas. É algo muito mais complexo. Brincar ou deixar de brincar de algo não necessariamente vai determinar a orientação sexual da criança", explica.
"A questão da identidade de gênero é mais forte que a sexualidade e isso favorece e fortalece a identidade. É um contexto social. Como fazer a identidade se não tiver um padrão? A família deve dar o referencial daquilo que é característico do gênero masculino e feminino, mas isso não pode ser uma coisa engessada. Não há problema na menina brincar com brinquedos de menino e vice-versa", complementa a terapeuta familiar Quezia Bombonatto, diretora da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp).
Há diferença entre brinquedos de menina ou menino?
De acordo com Susana, desde bebês as crianças já sinalizam suas vontades a partir do choro e a mãe vai interpretando o que elas querem. Já o gosto para roupas começa um pouco mais tarde, por volta de 2 a 3 anos. E é normal quando as vontades fogem do padrão "coisa de menino/coisa de menina". "É importante respeitar o estilo próprio da criança. Mas, por exemplo, se a criança vai ao clube ou ao cinema, os pais devem orientar o que usar. É uma questão cultural. A criança também não pode colocar a roupa que quiser. Deve-se dar opções, dentro do que a ocasião pede, para que a criança escolha. Isso é muito importante, pois ela aprende a tomar decisões", diz.
Outro exemplo é em relação às cores. Há meninas que gostam de rosa, mas outras não, e os pais não devem forçar que isso aconteça. "A cor não vai interferir em nada. Por algum motivo a criança fez alguma associação, ou se acha mais bonita com aquela cor, ou se sente mais confortável com outra roupa. Claro, às vezes por imitação, porque viu um amiguinho assim. Mas, mesmo pela imitação, ela vai descobrindo seu modo de ser. Às vezes o menino não gosta de jogar futebol e a menina gosta. E não tem problema nisso. A criança tem de passar por essas experiências", afirma.
Orientação sexual na infância
Para Quezia, os brinquedos não são determinantes para a sexualidade, pois a criança não sabe o que é de menino ou de menina. "Esses conceitos são passados socialmente. A sociedade coloca que boneca é coisa de menina e bola coisa de menino e isso vai sendo passado à criança. Lembro que quando minha filha tinha 2 ou 3 anos, me pediu um caminhão de brinquedo e eu dei. Eu entendo o brinquedo e o lúdico como a possibilidade de desenvolver a capacidade de criatividade, observação e percepção. Não vejo porque o brinquedo deveria ter essa diferenciação de gênero, não sei no que é útil", diz.
Mas, exatamente por ser uma questão ainda muito arraigada socialmente, ela acredita que se levará um bom tempo para que todos entendam que essas diferenciações devem ser feitas pelas crianças, e não passadas a elas. Um exemplo comum são as mães que colocam as filhas para lavarem a louça e o menino não, pois essa atividade "não é coisa de menino". "Ora, por que não? Ele não comeu? Lavar a louça, arrumar a cama, são tarefas que fazem parte da organização", diz.
Isso não significa, no entanto, que as diferenças de gênero não devam existir. "Os pais devem dar aos filhos a identidade de masculino e feminino, até pelo perfil físico do homem e da mulher. O homem não tem cintura, busto. As adequações são necessárias, não precisa unificar tudo, mas as diferenças de gênero devem ser respeitadas".
A orientação para quando o filho ou filha pedirem um brinquedo ou roupa que fujam do padrão do que deveria ser mais indicado a eles, é que os pais tentem entender as razões pelas quais a criança está querendo isso. "Se você se sente inseguro para dar um caminhão para uma menina, vai passar essa insegurança. Se você se sente seguro, vai passar a segurança para a criança fazer suas escolhas. Agora, por exemplo, se o menino pede uma saia de bailarina, pode ser porque ele se interessa por balé. Aí você pode dar uma roupa masculina de balé. Os pais devem, também, oferecer a oportunidade de identidade", orienta. "A criança projeta desejos e interesses nas escolhas que faz e é importante respeitar as decisões delas. Os pais podem conversar para saber porque a criança escolhe um personagem ou um tema e, assim, conhecer melhor o próprio filho", completa Susana.
E se meu filho sofrer bullying?
Um receio comum dos pais, mesmo quando em casa toda essa questão se dá de forma tranquila, é em relação à escola e ao convívio com coleguinhas que vêm de uma educação diferente, o que muitas vezes leva ao bullying entre crianças. Para Susana, a preocupação maior deve ser com o que acontece fora da escola, já que o ambiente escolar costuma ser (ou deveria ser) um espaço que valoriza as diferenças, com professores e profissionais atentos, pois as crianças, cada vez mais, são diferentes umas das outras. "Um gosta de uma cor, outro gosta de outra. Ou um gosta de bola, outro de boneca. É natural", diz. Ter contato próximo com a escola, conhecer a linha pedagógica adotada, frequentar reuniões e conversar claramente com os profissionais envolvidos na educação dos filhos também é importante.
Já fora da escola, os pais devem incentivar o filho a resolver seus problemas. "É importante que os pais aproveitem as situações para incentivar o filho a se defender sozinho, sem tomar partido, como se o filho fosse incapaz de resolver os próprios problemas. A criança deve se posicionar com relação ao que ela quer, conversar com o amiguinho", explica.
"Os pais devem estar atentos, para não deixar a criança exposta. Devem fortalecê-la, passar uma identidade a ela, e, ao mesmo tempo, respeitar suas escolhas. A criança deve ser orientada, pois, muitas vezes, quando pequena, não tem critério ainda e, no futuro, poderá se sentir mal com as escolhas passadas", complementa Quezia.
O que não pode, de forma alguma, é os pais passarem aos filhos o preconceito em relação a qualquer tipo de diferença. "Hoje em dia as crianças vivem numa sociedade mais aberta. Então é importante que os pais respeitem, socialmente, os outros pares. Vendo o respeito dos pais, a criança também vai respeitar", finaliza Susana.
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